Todos fomos alunos, somos (ou fomos) formandos e vivemos numa sociedade digital que nos oferece a possibilidade (e necessidade) de ter uma opinião sobre as metodologias de aprendizagem em contexto de formação profissional contínua.

Ainda há quem afirme com convicção que a organização presencial da educação e da formação é a melhor forma de desenvolver e consolidar aprendizagens “sérias” e válidas. No entanto, são já muitos os defensores dos modelos de aprendizagem a distância com recurso a tecnologias digitais.

Na verdade, não existe uma única forma de promover a aprendizagem, pois cada formando é único nas suas necessidades, predisposições, experiências, conhecimentos e competências. O segredo do sucesso da aprendizagem não reside na forma de organização do processo formativo, mas sim no envolvimento de cada formando no seu próprio processo de construção do conhecimento.

Segundo Vigotsky a aprendizagem é desencadeada pelas interações entre pessoas com experiências e saberes diferentes, mediatizadas por artefactos/ferramentas cognitivas. Vigotsky fala de uma zona de desenvolvimento próximo que representa a competência que cada pessoa conseguirá atingir quando estimulado pelas interações com o meio (entendendo-se que o meio é composto por pessoas e artefactos). À medida que as interações vão acontecendo, os sujeitos vão adquirindo novos conhecimentos e desenvolvendo novas competências como resultado da sua ação na relação com o meio. Por isto, para que a aprendizagem aconteça “é necessário criar situações de aprendizagem promotoras de interações sociais baseadas no trabalho conjunto e no confronto com outras ideias” (Ana Saraiva, 2010, p.28).

No contexto da formação, o formador deve assumir um papel de facilitador, com a clara função de estimular a aprendizagem através da disponibilização de ferramentas e direcionando o crescimento do formando através de intervenções criteriosas nas várias fases do processo de aprendizagem, utilizando como estratégia a aplicação de feedbacks regulares, consistentes, coletivos e individualizados; não se cingindo à simples e unidirecional transmissão de conhecimentos muitas vezes característica da formação presencial e das “videoaulas”.

A perspetiva conectivista também coloca ênfase no papel das interações com os pares e com as ferramentas cognitivas no processo de aprendizagem. A aprendizagem surge desencadeada por interações, e o conhecimento está distribuído entre uma rede complexa de informações que estabelecem múltiplas ligações entre “nós” codificados e organizados de forma a atribuir significado às informações recebidos dos diversos elementos do contexto envolvente. Novas aprendizagens originam novas conexões cerebrais e, portanto, novos conhecimentos.

A aprendizagem está centrada no formando, implicando esforço, persistência e motivação para a aprendizagem. O próprio formando mobiliza estratégias de ação para construção do conhecimento à medida que explora os recursos que tem ao seu dispor e estabelece relações interpessoais de comunicação, colaboração e partilha. São as explorações, as relações e comunicações com diferentes interlocutores e diferentes recursos que originam a ligação entre as novas aprendizagens e os conhecimentos já existentes, gerando novas conexões (competências).

Estas novas competências são desencadeadas pela ação do formando, quer as interações ocorram presencialmente ou através de um LMS . O sucesso da aprendizagem é, assim, da responsabilidade do formando e não está dependente da forma de organização da formação ou do espaço físico em que o formando se encontra. O formando tem o “poder” de selecionar a informação obtida através de diversas interações, de modo a construir o conhecimento útil e necessário para a resolução do seu “problema” de partida – aquisição de competência.

“A aprendizagem é agora como um processo in continuum que não se cinge apenas a espaços formais, mas também ocorre em espaços informais, onde os conhecimentos circulam no seio de comunidades de prática e de redes digitais de conhecimento” (Ana Saraiva, 2010, p.30)

Os processos de aprendizagem que decorrem das comunidades de prática fundamentam as teorias de aprendizagem baseadas na ação do próprio sujeito e da sua interação com o contexto envolvente. As comunidades de prática são conjuntos de indivíduos com especificidades diferentes que se concentram numa problemática comum, agindo, interagindo, partilhando conhecimentos e colaborando para conseguir a resolução de um determinado problema. Cada elemento da comunidade tem saberes próprios, experiências singulares, interesses e disponibilidades diferentes, papéis distintos, estilos e especialidades diversas (Matos, s.d.). É a interação entre a diversidade que desencadeia o desenvolvimento de competências específicas em cada um dos indivíduos, potenciando a construção de experiências coletivas que culminam com a resolução do problema comum.

Com a evolução tecnológica, as deslocações físicas e o tempo que estas consumiam deixaram de ser um obstáculo para a integração em variadíssimas atividades. Podemos agora pertencer a várias comunidades de prática e participar em diversas formações sem que a presença física seja um requisito e a distância um impedimento.

No entanto, para que se forme uma verdadeira comunidade de aprendizagem capaz de promover aprendizagem e desenvolvimento de competências relevantes, é essencial garantir o cumprimento de alguns requisitos fundamentais:

  1. elementos estruturais:
    1. problemática/tema de interesse comum, permitindo estabelecer a identidade do grupo;
    2. comunidade constituída por pessoas diferentes que se juntam para trabalhar e desenvolver um problema comum, interagindo, discutindo, partilhando, colaborando e aprendendo em conjunto;
    3. prática enquanto resultado da ação exploratória de cada um dos seus elementos em articulação com os restantes elementos.
  2. condições que permitam o envolvimento ativo de todos os elementos do grupo, embora tenham ritmos e disponibilidades diferentes;
  3. metas e formas de organização conjuntas para manter o “norte”, embora respeitando a natural mutação e evolução da problemática e da dinâmica interna do grupo;
  4. condições que permitam a interação regular em igualdade de circunstâncias;
  5. momentos definidos para apresentação de resultados, partilha experiências, análise, reflexão e a discussão entre os vários elementos, sendo o conflito decorrente das discussões um fator importante na evolução e produção de conhecimento;
  6. registo do trabalho realizado para assinalar o processo evolutivo e rastrear o caminho que vai sendo traçado na evolução do conhecimento.

A transferência para o contexto real (pessoal e profissional) é, por fim, fundamental para que a aprendizagem desenvolvida seja proficiente e útil na esfera específica de cada participante, mas acima de tudo que tenha aplicabilidade para além a comunidade de aprendizagem.

O princípio de aprendizagem subjacente às comunidades de prática é admiravelmente transponível para a formação contínua em E-learning, desde que sejam mobilizadas plataformas de aprendizagem inovadoras e dinâmicas, capazes de permitir o desenvolvimento intercalado de sessões síncronas e assíncronas, operacionalizadas em momentos de exploração autónoma, aplicação e reflexão individual, articuladas com momentos de interação, discussão e partilha.

As atuais plataformas de aprendizagem (LMS) permitem a mobilização de uma enorme panóplia de recursos digitais interativos (videoconferências, vídeos, apresentações, áudios, documentos digitais, links, e-books, fóruns, Chats, jogos, wikis, testes, questionários, workshops, etc.), que se apresentam ao formando como artefactos estimulantes do processo ativo de construção do conhecimento. É nesta relação de interação intencional_ entre formando-recursos, formando-formador, e formandos-formandos_ que ocorre a aquisição de conhecimento e o desenvolvimento de competência que se traduz em aprendizagem.

A plataforma Moodle, acrónimo de Modular Object-Oriented Dynamic Learning, é uma excelente opção para o desenvolvimento de modelos de formação assentes no construcionismo social, uma vez que oferece flexibilidade e valoriza a proatividade do formando, enquanto estimula a autonomia, a capacidade de organização da informação, a reflexão, a partilha, a interação, a colaboração e a cooperação.

Podemos, em suma, afirmar com toda a certeza que é possível promover boas aprendizagens recorrendo a modelos de formação inovadores em e-learning, podendo, inclusivamente, este modelo ser uma alternativa bastante vantajosa face à formação presencial. No entanto, não obstante a validade e qualidade das aprendizagens desenvolvidas em e-learning, é necessário salvaguardar a importância da formação presencial no desenvolvimento de competências práticas de áreas técnicas e tecnológicas específicas, evidenciando-se, em algumas áreas específicas, as vantagens de uma organização mista (ou hibrida) da formação – Blended-Learning – em que a maior parte dos conteúdos são trabalhados através de um LMS, a distância, mas intercalando com momentos de trabalho presenciais para satisfazer alguns objetivos de aprendizagem específicos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA E BIBLIOGRAFIA:

Matos, J.F (s.d). Aprendizagem em Comunidades de Prática: reflexões. Instituto de Educação. Universidade de Lisboa. 6p.

Saraiva, A.L.S (2010). A Integração em Grupos no second Lif® e o processo de aprendizagem. DDTE e DCA – Universidade do Minho.

BIBLIOGRAFIA:

Siemens, George (2004). Conectivismo: Uma teoria de Aprendizagem para a idade digital. Disponível em: http://wiki.papagallis.com.br/George_Siemens_e_o_conectivismo. Acesso em 13/01/2018

Wenger, E. (1998). Communities of Practice: learning, meaning and Identity. Cambridge, USA: Cambridge University Press.

Matos, J.F. (2019, janeiro 21) Tema 1: Aprendizagem em comunidade de prática. [vídeos]. Retirado de https://ead.ulisboa.pt/mod/page/view.php?id=12236

Santos, M. P (2002). Um olhar sobre o conceito de ‘Comunidades de prática’. Retirado de http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/jfmatos/mestrados/santos_cdp_2002.pdf